Uma Fenda no Tempo!
Há filmes que assustam pela violência. Outros, pelo suspense. The Langoliers (1995), ou Uma Fenda no Tempo, provoca um tipo diferente de medo: a angústia de perceber que o tempo pode simplesmente deixar de existir!
Baseado num conto de Stephen King, essa minissérie feita para a TV é uma experiência que, apesar de suas limitações técnicas, ressoa estranhamente com a estética retrowave e a ficção científica oitentista.
Não se trata apenas de um pesadelo existencial sobre um grupo de passageiros presos em uma realidade esquecida. É, antes de tudo, uma viagem sensorial ao limbo, um espaço onde o tempo se dissolve como um sintetizador reverberando no vazio. Bora conhecer?
Por Fábio César
Uma Fenda no Tempo: o Horror da Nostalgia Perdida
Imagine-se dentro de um sonho lúcido, preso entre o agora e um passado que se desmancha como areia entre os dedos. The Langoliers (1995), conhecido no Brasil como Uma Fenda no Tempo, não é apenas uma adaptação de Stephen King, mas uma viagem sensorial por um território esquecido do espaço-tempo. Pessoas comuns, cheias de compromissos, sonhos e expectativas, de repente se veem abandonadas à própria sorte, esquecendo as suas prioridades – algumas delas bem sinistras! – e a nostalgia de suas vidas em família.
Para quem respira a estética Retrowave, esse filme é um mergulho em um vazio cósmico embalado por sintetizadores etéreos e iluminação decadente, como se tivéssemos sido teletransportados para algum jogo perdido dos anos 80, flutuando num universo pixelado sem destino definido.
Uma Fenda no Tempo: a Luz Fria do Esquecimento
A iluminação desse mundo abandonado parece ser filtrada por um sol moribundo, projetando um brilho espectral e dessaturado. O aeroporto vazio, onde os protagonistas desembarcam, mais parece o cenário glitch de um delírio sci-fi – um espaço que já foi vivo, mas que agora jaz em letargia.
O ar rarefeito da fotografia reforça essa sensação de distanciamento, como se estivéssemos emaranhados em uma zona crepuscular entre o presente e o que já deixou de existir. As luzes não brilham completamente, mas também não se apagam. Resta, ainda, uma luminescência incômoda, como um holofote sobre um palco onde os atores já partiram.
A cinematografia é modesta, mas eficiente para criar uma atmosfera de estranheza. A iluminação fria e difusa reforça a sensação de desamparo, evocando assim a ambiência dos pesadelos de ficção científica dos anos 80 e 90.
Sintetizadores Cósmicos e o Som do Tempo se Esfarelando
Os sintetizadores sussurram melodias espaciais, como ecos vindos do infinito, amplificando o receio de desolação. As notas eletrônicas flutuam, alternando entre texturas suaves e sons mecânicos que se enfraquecem na quietude total. Em alguns momentos, aliás, o silêncio é ensurdecedor, quase uma entidade, preparando o espectador para a chegada iminente do desconhecido.
A trilha transporta para um limbo sintético, um corredor de neon onde o tempo não segue regras. Se pudéssemos montar uma playlist synthwave inspirada nesse filme, ela traria pads melancólicos e batidas suaves, como se o próprio universo estivesse respirando lentamente.
O uso de synths cria um som evanescente, evocando vastidões cósmicas e dimensões desconhecidas. Os acordes eletrônicos ressoam como um chamado distante, sugerindo que algo está se aproximando – algo além da compreensão humana.
A montagem do filme acompanha esse ritmo deslocado. Cortes longos e planos estáticos aumentam a suspeita de estagnação. Nada se move rápido demais, exceto a iminência de um destino incógnito e mortal … Que surge de uma aurora boreal fora de época, brilhando em algum lugar entre as longínquas montanhas.

Cores de um Mundo Desvanecido
Em vez dos tons vibrantes típicos do synthwave urbano, Uma Fenda no Tempo adota uma paleta de cores espectrais, onde azuis gélidos e cinzas dominam. É como se o brilho neon tivesse sido apagado, restando apenas ecos de sua essência.
O figurino dos personagens também reflete essa estética opressiva: peças desbotadas, isto é, sem grandes contrastes visuais – um desgaste simbólico reforçando a ideia de que eles foram arrancados da realidade e jogados num pesadelo que não passa.
O efeito final é quase lunar, como se estivéssemos observando espectros vagando por uma base abandonada em algum planeta esquecido.
Bob Jenkins: O Detetive do Desconhecido
Bob Jenkins é a bússola que guia os passageiros perdidos. Ele vê padrões onde os outros só acham desespero, encontra lógica no absurdo, como se estivesse resolvendo um enigma cósmico. Seu raciocínio detetivesco se desdobra como um monólogo interno de ficção noir, no qual o esforço mental intenso vai rompendo as nuvens do voo incerto.
Ele é a âncora racional em uma história onde o tempo é o verdadeiro antagonista. Bob atua como um observador analítico que tenta decifrar as regras desse universo incompreensível. É o detetive que busca sentido em um mundo que já não faz mais sentido.
Se esse universo fosse um jogo point-and-click dos anos 80, Bob seria o protagonista, decifrando as regras ocultas do tempo enquanto a ameaça invisível se aproxima.
Uma Jornada pelo Crepúsculo do Tempo
The Langoliers não é um filme comum. É uma experiência, uma deriva por um território onde o tempo se desintegra e a realidade parece um holograma falhando. Sua trilha de sintetizadores espaciais, iluminação lunar e tonalidades esmaecidas fazem dele uma joia esquecida para aqueles que vibram com a estética synthwave.
No fim das contas, Uma Fenda no Tempo é um filme que envelheceu com um charme peculiar. Sua abordagem minimalista e seu ritmo contemplativo podem afastar espectadores acostumados a um terror mais dinâmico. Mas para aqueles que apreciam narrativas enigmáticas e atmosferas densas, ele continua sendo uma viagem intrigante pelo desconhecido e pelas possibilidades sinistras do que poderia acontecer amanhã, se as leis da física deixassem de atuar por um instante que seja. Afinal, não há razão para que valham imutável e eternamente.
O longa pode não ser um primor em seus efeitos visuais, mas a atmosfera que constrói é única — um tributo involuntário a um tempo que já passou e que, assim como na história, talvez nunca mais possa ser recuperado.
Como um vinil perdido de Vangelis ou um sonho distorcido de John Carpenter, essa obra nos lembra que, às vezes, o passado não desaparece – ele apenas se desfaz em um loop eterno, à espera de viajantes desavisados.
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Fábio César formou-se em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu, com pós-graduação em Direção de Arte pela Faculdade Anhanguera.
A resenha foi feita em collab com IA.
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